“Embora paguemos impostos para as autoridades locais por serviços como tratamento e oferta de água ou pela disposição de lixo, os verdadeiros custos de nossos impactos ambientais continuam externalizados e não entram nas contas.”
A frase está no importantíssimo relatório que a Puma, empresa global de artigos esportivos, encomendou à consultoria Trucost. A Puma opera em 120 países e emprega mais de 9.000 pessoas. Seu faturamento, em 2010, foi de 2,7 bilhões de euros e seus ganhos líquidos alcançaram 202,2 milhões de euros. O que está “externalizado”, o que não faz parte das contas é o uso de recursos escassos (água, solo, biodiversidade), pelos quais a empresa, seus clientes e seus fornecedores nada pagam.
A Puma teve a coragem de solicitar a um grupo de especialistas que calculassem esses custos. Os números são chocantes. Como a Puma atua a partir de um sistema pulverizado em inúmeras firmas independentes, foi estudada sua cadeira de valor. O trabalho estimou os custos ocultos derivados da emissão de gases de efeito estufa, do uso da água, do uso do solo, da emissão de poluentes atmosféricos e da produção de lixo. Total destes cinco itens: 145 milhões de euros. Por mais que este montante não possa ser diretamente comparado com o lucro da Puma (uma vez que corresponde a muitas empresas que contribuem para a oferta final de seus produtos), é impressionante que os custos ambientais de sua cadeia de valor correspondam a mais de 70% do que ela ganhou.
A Trucost, junto com a empresa global de consultoria KPMG, acaba de lançar um relatório devastador sobre o uso da água por parte das 225 empresas cotadas na bolsa de valores do Japão e que compõem o famoso índice Nikkei. Seu faturamento total é superior a US$ 4,2 trilhões, ou seja, duas vezes o PIB brasileiro.
Da mesma forma que no estudo da Puma, foi analisada a cadeia de valor de vários setores industriais e agrícolas. O Japão, como vários outros países desenvolvidos, produz parte cada vez maior de sua riqueza com base em firmas situadas fora de suas fronteiras, especialmente em países com alto nível de stress hídrico, como a China e Singapura. Três quartos da água necessária para o funcionamento dessas grandes empresas japonesas encontram-se espalhados em sua cadeia de valor.
Na produção de bens pessoais e domésticos, por exemplo, caso a água fosse paga por um preço que refletisse sua real escassez, os custos corresponderiam a nada menos que 84% de todo o lucro das empresas do setor. Se a produção asiática de aço pagasse pela água que usa, o lucro das empresas seria reduzido em 42%. E isso só com relação à água, sem contar outros custos ambientais, pelos quais as empresas, seus fornecedores e clientes tampouco pagam.
Esses são apenas alguns exemplos dos mecanismos pelos quais o tamanho do sistema econômico vai ultrapassando os limites de segurança dentro dos quais os ecossistemas são capazes de oferecer os serviços fundamentais dos quais dependem as sociedades humanas.
O que a Rio+20 tem a ver com isso? Os documentos até aqui conhecidos mostram a possibilidade de um consenso em torno de três manifestações capazes de se opor a estes preços mentirosos.
Em primeiro lugar, o Produto Interno Bruto é cada vez mais reconhecido como uma forma equivocada de medir não apenas a riqueza, mas, sobretudo a capacidade real de a riqueza resultar em prosperidade e bem-estar. Novas medidas nesta direção terão que incorporar, por um lado, a real utilidade daquilo que o sistema econômico oferece e, por outro, o uso das bases materiais, energéticas e bióticas de que depende a vida social. Não se trata de mercantilizar a natureza e sim de fazer com que empresas, fornecedores e consumidores recebam do sistema de preços a sinalização a respeito da escassez e da abundância dos bens e dos serviços de que desfrutam. Assim como uma empresa ou um setor esconde esses custos, a medida do produto agregado de toda a economia tampouco o revela e, portanto, não é reveladora do real valor do que emerge do sistema econômico.
A segunda manifestação importante que pode vir da Rio+20 consiste em adotar Metas de Sustentabilidade do Milênio que tenham a mesma força política que tiveram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que, de certa forma, pautaram as políticas de luta contra a pobreza desde o início do Século 21. Em grande parte, essas metas já são conhecidas. Razão a mais para que sua adoção sinalize aos atores privados, públicos e associativos os imensos riscos (inclusive para os negócios, como bem assinalam os trabalhos da KPMG e da Trucost) da opacidade que marca atualmente o sistema de preços.
Em terceiro lugar, a Rio+20 pode fazer história pela criação de uma Organização das Nações Unidas para o Ambiente. Como mostra artigo recente de Marina Silva e Eduardo Viola, uma organização dessas teria a vocação de ampliar a importância dos temas socioambientais na governança global.
O espantoso é que o Brasil não tome posição firme a favor desta iniciativa. Ainda é tempo para que o país abandone o conservadorismo que marca sua posição a esse respeito, segundo o qual incorporar exigências socioambientais às regras do comércio mundial seria uma forma de estimular o protecionismo dos países ricos e as barreiras não tarifárias.
Por trás deste argumento escondem-se, na verdade, os piores interesses: os que fazem do uso gratuito dos bens comuns que são a água, o espaço carbono, a atmosfera e o solo uma forma de obter ganhos privados em detrimento do bem público e do futuro da espécie humana.
Publicado em 28 de maio de 2012 no caderno Empreendedor Social do jornal Folha de S. Paulo.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/colunas/1096622-a-rio20-contra-os-precos-mentirosos.shtml