Os produtos exportados por um país constituem uma excelente expressão de seus padrões de crescimento econômico. A diversificação das atividades e a capacidade de inserção internacional com base em bens e serviços apoiados em conhecimento, inteligência e informação são sólidos indicadores a respeito da resiliência de uma economia. São estes os produtos que oferecem as melhores oportunidades de o país se beneficiar com os resultados das cadeias globais de valor.
O economista venezuelano Ricardo Haussman e o físico chileno César Hidalgo dirigem a equipe que criou, no Media Lab do MIT, o Atlas da Complexidade Econômica. O Atlas mede o desempenho das economias não por suas taxas de crescimento, pelo montante de suas exportações ou por outras variáveis convencionais da macroeconomia e sim pela venda de produtos e serviços de alta qualidade nos mercados mundiais. Complexidade econômica, mais que eficiência, é a multiplicidade de conhecimentos úteis incorporados aos produtos.
A China e a América Latina exportam montantes muito próximos: US$ 1,9 trilhão obtidos por nosso Continente, contra US$ 2,2 trilhões por parte da China, em 2013. Até 1970, China e Brasil eram basicamente exportadores de matérias-primas. Desde então, a China diversificou sua produção e tornou-se competitiva em um leque crescente de produtos cada vez mais sofisticados, como os eletrônicos, os componentes de computadores e vários tipos de máquinas. Brasil e América Latina seguem altamente dependentes de exportações agropecuárias e minerais.
Por mais que nós tenhamos, claro, ciência e tecnologia aplicadas à oferta de produtos agropecuários (em celulose, em cana-de-açúcar, na gestão animal e na implantação da mais produtiva agricultura em área tropical do mundo) e na exploração petrolífera, isso não elimina a precariedade de nossa diversificação econômica. O que está em questão não é um setor econômico mas a estrutura da economia como um todo.
E as consequências desta precária diversificação não se limitam ao campo das atividades econômicas. Artigo recente desta equipe do Media Lab do MIT[i] coloca uma questão fundamental: será que o mix de produtos exportados por um país é capaz de nos dizer algo sobre suas desigualdades? A pergunta é relevante, pois a América Latina (e particularmente o Brasil) vive os resultados de um vigoroso processo de redução da desigualdade de renda, sobre a base, porém, de uma estrutura econômica que colocou o Continente na retaguarda global da inovação científica e tecnológica e, por aí, nos lugares mais subalternos das cadeias globais de valor.
Os trabalhos deste grupo de pesquisa mostram que as desigualdades possuem determinantes que podem ser encontrados na própria estrutura da vida econômica. A abordagem é especialmente interessante pois convida a que não se separem, como se pertencessem a compartimentos estanques, a economia de suas repercussões na distribuição não só da renda, mas de um leque variado de oportunidades.
O ‘mix’ de produtos da base econômico do país mostra o valor que a sociedade atribui à educaçãoo e ao trabalho.
A América Latina (com exceção do México, em função da proximidade com os Estados Unidos) não só está em posições inferiores às de economias asiáticas de alto desempenho, como perdeu pontos durante o boom das commodities da primeira década do milênio. O Brasil, que ocupava a 29ª posição no ranking global da complexidade econômica em 1990, cai para a 56ª em 2013. O Chile foi da 54ª para a 67ª. Coréia do Sul é a 7ª colocada, Cingapura está na 10ª posição e a China na 22ª.
E qual a relação desta defasagem com as desigualdades? O trabalho do Media Lab/MIT mostra que, ao menos no que se refere à renda, Cingapura, Tailândia e Malásia conheceram importante redução na desigualdade. O caso da China é mais difícil de ser avaliado, pela precariedade de suas informações. Mas os países que passaram por profunda diversificação de suas atividades econômicas conheceram dois fenômenos fundamentais.
O primeiro é o investimento que fizeram e continuam fazendo em educação, em todos os níveis. Os indicadores educacionais dos países asiáticos de alto desempenho econômico são sistematicamente superiores aos latino-americanos. E estes indicadores refletem não só a construção de mais escolas e a universalização do acesso, mas, antes de tudo, a valorização e a massificação do ensino de qualidade. O “mix” de produtos que formam a base econômica do país exprime o valor que a sociedade atribui à educação e, em última análise, ao próprio trabalho humano. Economias pouco exigentes em conhecimentos tenderão a concentrá-los socialmente. Já aquelas onde a inteligência e a informação formam a base de um processo econômico diversificado vão atribuir à ciência e à tecnologia importância crescente e se empenharão em massificar a boa educação científica e tecnológica. Nestas condições, novos mercados de trabalho permitem ganhos que vão se traduzir na ascensão dos que estão na base da pirâmide.
E aí vem o segundo fenômeno fundamental. Em 2016, a revista Nature publicou o resultado de uma “volta ao mundo” sobre a influência da ciência na organização econômica dos países (science led economies) e nenhum caso latino-americano é citado como digno de nota ao longo da publicação. Na China, segundo a Nature, nada menos que 81 milhões de pessoas trabalham em ciência e tecnologia.
O que mostram estes trabalhos é que, mais importante que o crescimento econômico por si só, é sua qualidade. E isso se exprime nas escolhas feitas pelos dirigentes governamentais e empresariais. A atual ênfase brasileira na exploração de petróleo, na mineração, na flexibilização de regras ambientais referentes ao uso da terra e no esforço de reduzir os custos trabalhistas não tem, como contrapartida, uma orientação estratégica para que o Brasil amplie a complexidade de sua vida econômica. Pode ser até que cresça: mas é imenso o risco que seja mais do mesmo. E as consequências socioambientais da mesmice não estarão à altura das exigências atuais de uma sociedade moderna e democrática. Ou, como disse Olivier Blanchard, prêmio Nobel e ex-economista chefe do FMI em entrevista recente: “é claro que crescer não é o suficiente e nós temos que nos preocupar mais sobre a distribuição desse crescimento, sobre a desigualdade”[ii].
[i] https://arxiv.org/pdf/1701.03770.pdf
[ii] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1860074-mundo-nao-esta-preparado-para-crise-diz-ex-economista-chefe-do-fmi.shtml