Muito Além da Economia Verde: entrevista publicada no site do Movimento Empresarial pela Biodiversidade Brasil (MEBB)

Abaixo reproduzimos o conteúdo da entrevista publicada em 13.09.2012 no site do Movimento Empresarial pela Biodiversidade Brasil (MEBB).

Saiba mais sobre o MEBB.

Assista também a uma entrevista em vídeo veiculada pela EcoVoxtv clicando aqui.

O título do seu novo livro: Muito além da economia verde parece trazer uma provocação, já que economia verde é uma ideia que ainda está se formando. Que mensagem o senhor quis trazer ao debate com esta nova publicação?

As sociedades contemporâneas fizeram progressos impressionantes em sua capacidade de melhor usar os recursos materiais, energéticos e bióticos necessários a sua reprodução. Cada dólar do PIB mundial é produzido hoje usando 23% a menos de materiais e emitindo 21% a menos de gases de efeito estufa que vinte anos atrás. A cerveja que tomamos apoia-se no consumo de menos água e a própria intensidade energética da maior parte das economias do mundo vem caindo. No entanto, o crescimento econômico, neste mesmo período, foi de tal magnitude que mais que contrabalançou estes ganhos obtidos pelo indispensável avanço tecnológico. E isso nos obriga não só a mais pesquisa e mais inovação, mas, sobretudo, a repensar o próprio sentido, os objetivos, os propósitos daquilo que o sistema econômico oferece para a vida social. É nesta busca de sentido que é necessário ir além, muito além da economia verde.

No livro, o senhor distingue economia verde de crescimento verde. Há uma confusão sobre esses dois termos?

Sim e infelizmente mesmo em bons documentos do PNUMA como o Green Economy esta confusão é feita. O mundo não poderá crescer com a velocidade das últimas décadas, mesmo que se acelere a substituição das energias fósseis por renováveis, que se melhore o uso dos materiais e o aproveitamento sustentável da biodiversidade. Atingir estes três objetivos (energias renováveis, menos recursos por unidade de produto e economia do conhecimento da natureza) é fundamental: aí está a rota que deve seguir a própria inovação tecnológica contemporânea, aquilo que o PNUMA chama de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade. Mas imaginar que é possível manter o ritmo de crescimento que marcou o Século XX, uma vez que, pela economia verde, a economia seria capaz de se manter dentro das fronteiras ecossistêmicas além das quais a vida social encontra-se ameaçada, é ilusão, profissão de fé que não se respalda em fatos. E na raiz desta ilusão está algo decisivo e que não foi discutido na Rio+20: as desigualdades. É verdade que há necessidades humanas básicas não atendidas e para as quais é necessário ampliar a oferta de bens e serviços: 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, 800 milhões vivem sem a oferta regular de água limpa, 1,7 bilhão sem eletricidade, um bilhão estão gravemente subalimentados. O mundo tem recursos materiais para promover a emancipação social destes milhões de pessoas cujas vidas estão muito aquém do mínimo necessário a um patamar civilizado. Mas sem que se reduza o uso de materiais, energia e recursos bióticos dos que se encontram no topo da pirâmide social e sem que se questione a própria qualidade daquilo que a economia hoje oferece à vida social, não será possível persistir nos importantíssimos avanços recentes obtidos na luta contra a pobreza em todo o mundo.

Como o senhor situaria o Brasil dentro do quadro geral da economia verde?

A lei de resíduos sólidos, a maneira como se estão desmanchando os lixões (como o do Jardim Gramacho em Duque de Caxias no Rio), com respeito aos catadores, oferecendo-lhes formação e novas oportunidades de trabalho, este é um processo muito positivo, que conta com uma parceria importante de poderes locais, empresas, organizações não governamentais e o governo federal. Outro aspecto positivo está na multiplicação dos usos da cana-de-açúcar, resultado de pesquisa de muita qualidade e que já se traduz no que tem sido chamado de química verde. Também devem ser citados os acordos pelos quais organizações varejistas comprometem-se a não mais vender carne vinda de áreas desmatadas. Mas há três dimensões centrais de imenso retrocesso. A primeira refere-se à discussão sobre o Código Florestal, que se coloca na contramão da evidência de que é possível aumentar a oferta de produtos agropecuários sem desmatamento e que o desmatamento dos últimos quinze anos não foi essencial para a prosperidade da agropecuária brasileira: foi sim a base da aquisição de áreas para serem valorizadas, uma apropriação privada do patrimônio público portador de rica biodiversidade que foi criminosa e inutilmente destruída. A segunda é a incapacidade completa de que o planejamento urbano passe a pautar-se pelas necessidades das pessoas: ele segue sendo orientado pela ilusão de que o transporte individual melhora a mobilidade e pela ocupação de terrenos cada vez mais distantes dos centros econômicos, o que cria necessidades de infraestrutura cujo atendimento fica cada vez mais caro. E é bom lembrar, quanto ao automóvel, que, nos últimos dois anos sua expansão apoia-se no uso crescente de gasolina. E isso no país pioneiro do etanol! O terceiro grande problema refere-se à dependência crescente de nossa economia da produção e exportação de bens primários, num processo que o PNUMA e a Red Mercosur não hesitam em chamar de reprimarização da vida econômica e que é o avesso da economia do conhecimento.

Quais são os principais drivers da mudança do modelo econômico para o que se chama de economia verde?

São dois. O primeiro são os preços. Vivemos em um regime de preços mentirosos, que não refletem o real custo daquilo que se produz e se consome. Estudo recente da consultoria Trucost, elaborado para a KPMG dá uma ideia da magnitude destes custos ocultos. Se as empresas pagassem pela emissão de gases de efeito estufa, pelo uso da água e pelo lixo que produzem, cada dólar de lucro da economia mundial teria uma redução de 41%. Estes custos estão dobrando a cada catorze anos, segundo o trabalho da KPMG. No setor agroalimentar (tão importante para o Brasil, claro) estes custos são nada menos que 224% dos lucros. Uma vez que o espaço carbono é limitado, que a água dos aquíferos leva milênios para se renovar e que o custo de gestão do lixo é cada vez maior, em algum momento estes custos terão que ser pagos. As grandes consultorias globais (Mc Kinsey, KPMG e PriceWaterhouse) vêm mostrando uma volatilidade nos preços das matérias-primas que reflete a pressão que o sistema econômico hoje exerce sobre elas. Este é um novo fator de risco empresarial para o qual estamos pouco preparados.

O segundo driver vai além dos preços e corresponde a um fenômeno novo e decisivo: as empresas, cada vez mais, organizam-se para interagir com um número crescente de atores (stakeholders) em seus processos de decisão. Uma vez que o uso dos recursos privados em suas mãos têm efeitos sociais que vão muito além daquilo que convencionalmente a economia estuda, passam a existir arranjos, acordos sociais voltados a discutir o próprio sentido do que o setor privado oferece à vida social.

Atualmente, parece que as inovações e instrumentos são baseados no capitalismo, como por exemplo o sistema de PSA. Que instrumentos econômicos são necessários para essa transição?

O PSA é essencial, embora até aqui sejam tímidos os mecanismos que podem fazer com que eles beneficiem as populações que oferecem e cuidam para a existência destes serviços ambientais. Com uma legislação que impede os cientistas de acessarem a biodiversidade para estudá-la e trava o desenvolvimento de novos produtos, será possível o Brasil avançar na inovação necessária para o aproveitamento do capital natural? É óbvio que esta legislação tem que mudar. Esta mudança é uma condição para que passemos de uma economia da destruição da natureza (que marca hoje os grandes biomas, sobretudo nas áreas tropicais e sub tropicais) para uma verdadeira economia do conhecimento da natureza.

Qual seria o caminho brasileiro para uma economia com baixas emissões, inclusão e respeito ambiental considerando o duas grandes potências nacionais: o agronegócio e a biodiversidade?

A agropecuária brasileira agrega segmentos de alta eficiência e setores de um atraso impressionante. Por um lado, a Usina São Francisco, com 17 mil hectares contínuos de cana-de-açúcar, certificados, com corredores ecológicos e uma preocupação explícita com a biodiversidade. Também uma empresa como a Fíbria que, junto com o MST, faz projetos voltados à preservação e faz da preservação um elemento de prosperidade para seus acionistas e a sociedade. O plantio direto é uma inovação que permitiu ao Brasil evitar erosão de terra e a pesquisa agropecuária, por meio da EMBRAPA, antes de tudo, tem um papel decisivo nesta direção. Por outro lado, entretanto, temos ainda uma pecuária de baixa produtividade em várias partes do País, o cerrado e a caatinga são vistos não como mananciais de biodiversidade, mas como fronteira a ser desbravada. O uso de agrotóxicos sobe mais que a produção agropecuária. E globalmente o uso de nitrogênio cresce três vezes mais que a produção agropecuária mundial. Quanto à biodiversidade, não é possível dizer que O Brasil seja uma potência nacional. O País deveria ter um papel internacionalmente de vanguarda em traçar os caminhos e as instituições de uma economia do conhecimento da natureza, sobretudo (mas não só) na Amazônia. E disso, infelizmente, estamos a anos-luz.

Entrevista concedida ao jornalista Jaime Gesisky e à secretária executiva do MEBB, Tatiana  Donato Trevisan.

Agradecimentos: Jorge Bodansnky + EcoVoxtv (vídeo) e Agência Fapesp (Foto)

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