Entrevistas – Agricultura Familiar

GIPAF: 1. Qual é o seu conceito de agricultura familiar e quais são, na sua opinião, as razões que têm estimulado, mais recentemente, o interesse por este segmento no Brasil?

ABRAMOVAY:

Agricultura familiar é aquela onde a propriedade, a gestão e a maior parte do trabalho vêm de pessoas que mantêm entre si vínculos de sangue ou de casamento. Dois aspectos são importantes nesta definição:

a) Ela evita que se faça um julgamento prévio que consistiria em associar o caráter familiar da unidade produtiva ao seu desempenho: é o que ocorreu durante muitos anos, quando se tomavam como sinônimos agricultura familiar e pequena produção, produção de baixa renda ou até produção de subsistência. A agricultura familiar existe em ambientes sociais e econômicos os mais variados: são familiares os camponeses andinos, bem como os produtores integrados de nossa região Sul. Da mesma forma, a expressão não pode escamotear as grandes diferenças sociais e econômicas existentes – numa mesma região – entre as unidades que se apoiam fundamentalmente na mão-de-obra da família.

b) O caráter familiar da produção repercute-se não só na maneira como é organizado o processo de trabalho, mas nos processos de transferência hereditária e sucessão profissional. A esmagadora maioria dos agricultores contemporâneos continua a atividade paterna, o que não ocorre em nenhuma outra profissão. Nos Estados Unidos e no Canadá é cinco vezes mais provável que um negócio agrícola passe de uma geração a outra do que um negócio não agrícola. Na França, em 1953, originavam-se no meio rural 85% dos agricultores: em 1985, este era ainda o caso de 90% deles. Na Grã-Bretanha, 80% dos agricultores em tempo integral prosseguem atividades de seus ancestrais.

Quanto ao interesse que este tema suscita hoje no Brasil, aí também é importante destacar dois aspectos:

a) Na agricultura – diferentemente da maior parte das atividades econômicas –, unidades cujas dimensões estão ao alcance da capacidade de trabalho de uma família podem ser competitivas com relação àquelas que se apoiam – total ou parcialmente – no trabalho assalariado. Esta idéia seria totalmente inverossímil em quase todos os setores industriais – mas não no de serviços, bem entendido – e a pulverização do processo produtivo em centenas de milhares de estabelecimentos apareceria aí fatalmente como obstáculo intransponível ao avanço da inovação técnica. Na agricultura não: dentro de certos limites, a distribuição de ativos é inteiramente compatível com as exigências de avanço técnico próprias às sociedades contemporâneas. De certa forma, esta é a idéia de fundo que sustenta a reivindicação por uma reforma agrária.

b) Os agricultores familiares – sobretudo, mas não apenas, no Sul do Brasil – vêm manifestando uma capacidade organizativa que responde em grande parte pela existência de políticas públicas inovadoras nesta área. No caso do PRONAF, por exemplo, o mais importante é o quadro de mudanças institucionais a que ele vem dando lugar, por meio das comissões municipais de desenvolvimento rural, das novas cooperativas de crédito e da ampliação impressionante da quantidade de agricultores com acesso ao sistema bancário. Independentemente do juízo que se faça destas políticas do governo, o importante é que – sobretudo por meio do Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais – a agricultura familiar hoje é uma força política da maior importância no País e responde por aquilo que durante tanto tempo foi tomado como uma espécie de contradição nos termos: a construção de uma sociedade civil no meio rural.

GIPAF:
2. A emergência de temáticas como pluriatividade, novo rural, espacialidade, desenvolvimento local, “part-time job”, na sua opinião refletem um novo contexto onde se insere a produção familiar brasileira ou são aspectos desta mesma produção que sempre existiram e foram redescobertos recentemente pelas ciências atuais?

ABRAMOVAY:

É claro que pluriatividade sempre existiu. E no limite não existe “monoatividade” em parte alguma e em nenhum setor. O que há de novo, entretanto, na discussão sobre pluriatividade é que se contesta a utopia de que o meio rural deve ser ocupado quase que exclusivamente por um tipo de agricultor: aquele capaz de retirar inteiramente de sua unidade produtiva seus meios de reprodução e desenvolvimento. Este era o projeto para a agricultura que os técnicos de Bruxelas – particularmente o comissário Sicco Mansholt – tinham para a Europa ao final dos anos 1960. O campo para quem sabe produzir muito e bem: quanto aos outros, que vão para as cidades. Pois bem, é exatamente isso que mudou: hoje aqueles produtores que não retiram de seu estabelecimento o essencial de sua renda, mas que preenchem a função social (não remunerada pelo mercado) de manter vivo e povoado o meio rural são cada vez mais valorizados. Um dos desafios importantes dos europeus hoje está na concepção de políticas públicas que apoiem estes pluriativos por suas funções múltiplas – é a tal multifuncionalidade que tanta polêmica provocou na reunião da OMC, em Seattle – e não mais os que mais produzem. Qual a novidade, então ? Por um lado, ela está na constatação de que milhões de unidades “pluriativas” continuam existindo nos países desenvolvidos e que nada indica que desaparecerão num horizonte visível. Por outro, estas unidades exercem funções tão importantes que colocam novas questões e novas demandas para as políticas públicas.

Claro que, entre nós, as coisas são diferentes pois o que mais se associa com a pluriatividade é a pobreza, a marginalização social. O que, ao que me parece, a discussão européia traz de interessante para nós é que mesmo estas unidades de pequenas dimensões, cuja oferta agropecuária é irrelevante preenchem papéis significativos, como se está verificando nos estudos a respeito da previdência social no campo. A injeção de recursos da aposentadoria no meio rural poderá ter impactos não só sociais, mas até produtivos. Um estudo recente de Alain de Janvry e Elisabeth Sadoulet mostra exatamente isso para o México: os pagamentos diretos feitos aos agricultores “ejidatarios”, como compensação à redução dos preços de produtos básicos decorrente da entrada do país no NAFTA tem sido usado, na sua maior parte, para finalidades produtivas, apesar da pobreza dos produtores. Uma renda que não vem da agricultura (mas do Estado) acaba reforçando a própria atividade agrícola. Não temos estudos suficientes sobre isso, mas é freqüente que emigrantes rurais enviem dinheiro para suas regiões de origem com este mesmo objetivo de permitir investimentos agrícolas. A pluriatividade tende a ser cada vez mais importante, mas isso não quer dizer necessariamente que ela substitua a agricultura. São temas que exigem mais pesquisa e não adianta simplesmente dizer que isso sempre foi assim ou que a agricultura tende historicamente a acabar.

GIPAF:
3. Como o senhor imagina uma política governamental de desenvolvimento para a agricultura familiar brasileira, considerando inclusive o quadro atual do serviço oficial de extensão rural e o da pesquisa agropecuária?

ABRAMOVAY:

Pode-se imaginar muita coisa, mas talvez seja melhor partir do que já existe. Neste sentido, o PRONAF é um programa muito bem concebido não só por suas três principais frentes de trabalho (crédito; aplicações nos municípios e formação), mas também por se basear numa equipe técnica extremamente ágil, flexível e que funciona em rede e não sobre a base de uma pesada estrutura. Mas existe um desafio que nenhum programa governamental, nenhum governo sozinho pode enfrentar: é o de mudar aquilo que se pode chamar de “ambiente educacional” do meio rural: não é só escola. É um conjunto de sinais que os indivíduos recebem e que os fazem crer que o meio rural não é um espaço apropriado para a valorização do conhecimento. É no meio rural brasileiro que se conserva com raízes mais profundas a tradição escravista que dissocia o trabalho do conhecimento. Mudar este ambiente, tornar o meio rural um espaço atraente sobretudo para os jovens é um dos grandes desafios dos próximos anos. E aqui é preciso que a extensão e a pesquisa trabalhem juntas. Seria muito importante, por um lado, retomar as discussões que tiveram lugar em 1997 entre a CONTAG, a FASER, a ASBRAER e o DATER: juntamente com o movimento sindical, a extensão é a estrutura mais capilarizada pelo interior do País e disso ainda não se tiraram todos os trunfos. Além disso, é fundamental que se fortaleçam iniciativas como as do programa de agricultura familiar da EMBRAPA.

GIPAF:
4. O que o senhor pensa a respeito da afirmação de diversas correntes de pensamento que consideram a agricultura familiar economicamente inviável?

ABRAMOVAY:

Hoje estas correntes são francamente minoritárias, tal é a quantidade de evidências que vão no sentido contrário ao que elas afirmam. A importância econômica da agricultura familiar é avaliada em algo que oscila entre 35 e 45% do valor total da produção no setor, segundo estudos feitos com base no Censo de 1995/96. Será que isso é apenas um resquício do passado que, com o tempo vai-se extinguir ? Se assim fosse, a agricultura familiar não seria tão decisiva na oferta agropecuária dos países desenvolvidos.

GIPAF:
5. Qual o papel que a agricultura familiar deverá ter em países com as características sociais e econômicas como as do Brasil, diante do aumento de competitividade internacional induzido pelo processo de globalização?

ABRAMOVAY:

Em princípio, não existe razão para que a agricultura familiar esteja em piores condições que a patronal diante do processo de globalização. Concretamente, entretanto, o Governo brasileiro teve uma política de abertura em grande parte desastrosa e em franco contraste com o que fizeram outras nações. Não houve um planejamento (do qual os atores deste processo tivessem participação) para se lidar com os impactos da abertura comercial, ao contrário, por exemplo, do que fez o Governo do México. Os europeus também compensaram seus agricultores no processo de abertura. Pode-se discutir quais as melhores formas de compensação e seus diferentes impactos sociais. Mas o governo brasileiro simplesmente não discutiu o tema, o que contribuiu para colocar diversos setores em crise, agravada com o tempo que durou a política de sobrevalorização cambial.

GIPAF:
6. A integração vertical da agricultura familiar, tal como se dá na cultura do fumo e criação de aves e suínos apresenta-se como uma solução para a geração de renda? Porque?

ABRAMOVAY:
Por um lado sim: a integração agroindustrial oferece tanto à indústria como aos agricultores um horizonte de estabilidade, respectivamente, de oferta e de renda. Além disso, os agricultores integrados encontram maiores facilidades de acesso a créditos bancários exatamente por esta estabilidade. Mas existem aí sérios problemas. No caso do fumo, além dos problemas que se ligam à saúde pública, estão os problemas ambientais e as próprias condições de trabalho que faz com que a fumicultura seja sempre encarada como um mal necessário, uma espécie de acumulação primitiva pela qual o produtor tem de passar para mudar a outras atividades. Os dados da agenda 21 mostram que o uso de agrotóxicos na produção de fumo vem aumentando ano a ano. Com relação a suínos e aves, alguns dos problemas ambientais mais graves começam a ser enfrentados no Brasil, mas nem se discute um tema fundamental hoje na Europa que é o bem estar animal. A integração vertical fornece um produto estandartizado, massificado e é bem provável que – da mesma forma que nos países desenvolvidos – o consumo se dirija para gêneros de qualidade cujos atributos ambientais façam parte dos fatores que influem a decisão do consumidor. Estes mercados são muito mais promissores que os da agroindústria convencional, mas exigem, para sua exploração, muito mais conhecimento e organização que os de que hoje dispõem a grande maioria dos agricultores no Brasil. Nos países desenvolvidos a produção de qualidade tem sido uma alternativa importante para os agricultores que não podem ou não querem a integração contratual com a agroindústria. E é importante lembrar que mesmo mantendo uma base familiar, a agroindústria vem trabalhando com um número cada vez mais reduzido de criadores, seja na produção de leite, na suinocultura ou na avicultura.

GIPAF:
7. O senhor acha que a agricultura familiar brasileira ainda pode ocupar um lugar estratégico na política agrícola governamental ou deve ser cada vez mais objeto de políticas não-agrícolas?

ABRAMOVAY:
Hoje a agricultura familiar já ocupa um lugar estratégico por seu peso na oferta, pelos recursos de que dispõe, pelos quadros técnicos em que se apóia e pela organização política que a sustenta. Esta separação de políticas agrícolas e não-agrícolas deve ser cada vez mais colocada em questão. Se política agrícola for igual a sustentação de preços ou de renda, a política agrícola será cada vez menos importante, no mundo todo. E será que políticas como o PRONAF infra-estrutura e serviços são “não-agrícolas” ? A aposentadoria rural tem uma repercussão agrícola importantíssima nas regiões mais pobres do País. O impacto a médio prazo de boas políticas educacionais para a agricultura também é internacionalmente reconhecido. Estas políticas não são tipicamente “agrícolas”.

GIPAF:
8. O segmento da agricultura familiar tem efetivamente se beneficiado dos estímulos advindos dos programas de intervenção do governo federal, junto aos municípios brasileiros, como por exemplo na área de crédito, infra-estrutura, serviços e distribuição de terras?

ABRAMOVAY:
Vou falar de crédito. Houve grande progresso, desde que teve início o PRONAF que já atinge mais de 700 mil agricultores. Com relação aos 4,8 milhões de estabelecimentos brasileiros ainda é pouco. Mas o ritmo de aumento na quantidade de produtores com acesso ao crédito é impressionante. Tanto mais que este acesso passa por bancos que, embora governamentais, na sua esmagadora maioria, funcionam como entidades comerciais, ou seja, opõem imensa resistência ao acesso de populações desprovidas de garantias e contrapartidas. Neste contexto, metade dos tomadores de crédito do PRONAF têm acesso ao crédito pela primeira vez em suas vidas, segundo os dados da pesquisa recente do IBASE. E não são apenas os mais abastados entre estes agricultores: sobretudo no Rio Grande do Sul, o Movimento dos Pequenos Agricultores (ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) construiu uma poderosa rede de pressão que permitiu a 130 mil agricultores com faturamento anual até R$ 8 mil (o PRONAFINHO) o acesso ao crédito. A inadimplência foi zero e a garantia bancária foi inteiramente baseada em aval solidário.

Isso dito, o crédito do PRONAF ainda continua extremamente concentrado em poucos produtos, em poucas regiões (sobretudo no Sul) e numa camada menos empobrecida de agricultores familiares: o PRONAFINHO é uma importante exceção, mas a regra é que muito dificilmente o crédito chega a populações pobres no campo.

Existem aqui duas posições quanto ao horizonte destas políticas:

a) Há os que dizem que o número de tomadores de crédito do PRONAF já está “batendo no teto”. Estes 700 mil agricultores (ou um pouco mais) seriam aqueles que apresentam condições de transformar créditos agrícolas em projetos economicamente consistentes. Os outros seriam tão pobres que não poderiam fazer um uso produtivo destes recursos.
b) O que o PRONAFINHO e a participação dos movimentos sociais na sua concepção e execução mostram é a injeção de liquidez no interior de unidades pertences a famílias pobres pode dar lugar a investimentos produtivos. Confirma-se aqui uma constatação feita há alguns anos pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (o FIDA) de que as taxas de retorno dos investimentos produtivos em situação de pobreza tende a ser muito elevada. O estudo no México de De Janvry e Sadoulet sobre o PROCAMPO mexicano vai exatamente na mesma direção.

GIPAF:
9. Onde reside, na sua opinião, o grande entrave que prejudica a relação entre a agricultura familiar e o sistema bancário, como é o caso do financiamento para custeio e investimento do PRONAF?

ABRAMOVAY:
Já é impressionante o que se atingiu – 700 mil tomadores de crédito, metade dos quais sem tradição anterior de tomada de recursos – mas os custos disso para o Tesouro estão ficando exorbitantes: um banco comercial certamente não é a melhor estrutura para atribuir crédito de pequeno valor às populações do interior. Novas estruturas estão em processo de construção (como as cooperativas do sistema CRESOL, por exemplo) e isso será cada vez mais importante. Tanto mais que estas cooperativas não funcionam só como “repassadoras” de recursos públicos, mas permitem que o agricultor tenha talão de cheque e estimulam sua poupança.

A insatisfação com o desempenho do sistema bancário na intermediação de recursos públicos dirigidos ao PRONAF é comum aos movimentos sociais e ao próprio Governo. Mudar entretanto esta intermediação não é nada simples e vai exigir um período de transição, não se faz do dia para a noite, com uma canetada de um ministro. O desafio consiste em construir um sistema que tenha uma tríplice característica:

a) Deve ter funções efetivamente bancárias. Por um lado, é fundamental que os recursos do PRONAF continuem sendo encarados pelos agricultores como empréstimos e não como doações. Este é um estímulo fundamental a que estes recursos sirvam para projetos de desenvolvimento. Para isso é necessário avaliar a capacidade de pagamento de quem toma os recursos emprestados e a consistência dos projetos. Só que isso não se faz de graça, tem um custo. Ao que tudo indica, o custo para a sociedade de que estas funções bancárias sejam exercidas pelas organizações bancárias hoje dominantes está alto demais e continua restringindo o acesso ao crédito. Além do acesso ao crédito, há uma outra função bancária que é o estímulo à poupança e a atribuição de direitos econômicos básicos como, por exemplo, um talão de cheque. Aqui também o sistema bancário convencional tem feito avanços, mas no quadro de muita tensão e com custos elevados.

b) Deve ser um sistema descentralizado e cujas responsabilidades locais sejam decisivas. O sistema bancário é caro em grande parte por sua centralização excessiva. As cooperativas operam com custos mais baixos por conhecerem melhor sua clientela, por poderem confiar mais nas redes locais de conhecimento entre os indivíduos e por não carregarem o ônus das grandes estruturas.

c) Deve ser um sistema com independência financeira local: é preciso toda uma assessoria técnica, mas cada unidade bancária descentralizada deve ser suficientemente forte para enfrentar seus compromissos e se desenvolver com base nas operações locais, inclusive nas operações que fizer com recursos públicos.

Tem sido cada vez mais importante a reivindicação de recursos em pequenos montantes, digamos abaixo de R$ 1.000,00. É urgente que se examine a racionalidade de que estes recursos passem por dentro de uma instituição de caráter bancário. Talvez o custo desta intermediação bancária (mesmo passando pelas cooperativas) seja tão alto que leva à busca de outras formas de acesso deste dinheiro a populações vivendo em situação de pobreza. É fundamental que se estudem as experiências internacionais neste sentido.

GIPAF:
10. O que esperar do futuro reservado para as novas gerações da agricultura familiar brasileira, tendo por base a sua capacidade histórica de reprodução social e, por outro lado, as recentes descobertas científicas na área da genética?

ABRAMOVAY:
Com relação às novas gerações, o fundamental será a capacidade de mudar o ambiente educacional hoje existente no meio rural. Se é verdade que o meio rural detém os piores indicadores de qualidade de vida, não é menos certo também que os centros metropolitanos são cada vez mais hostis aos que ali chegam e deixaram de ser – como o foram até o início dos anos 1980 – um espaço de emancipação social a populações que deixavam o campo. Aqui o papel da pesquisa e da extensão e dos poderes públicos locais é decisivo. Ali onde conseguirem construir projetos consistentes que imprimam dinâmica a suas regiões será muito maior a chance de atrair as populações jovens que, hoje, são as que mais migram.

As descobertas científicas na área de genética não têm um impacto imediato sobre o caráter mais ou menos familiar da agricultura, diferentemente do que poderia acontecer com a mecanização que tendia a concentrar terra, por exemplo. Aí a questão do conhecimento é que será central.

GIPAF:
11. Em que projetos o senhor tem trabalhado recentemente?

ABRAMOVAY:

Continuo trabalhando sobre o meio rural europeu, o que se tornou especialmente interessante diante da diferença entre o Velho Continente por um lado, os EUA e o grupo de Cairns, por outro a propósito da multifuncionalidade. Acho que trata-se muito mais do que uma simples cortina de fumaça protecionista que os europeus estivessem jogando nos olhos do restante do mundo. Está sendo levantado uma questão que é mais que econômica, é de civilização: o meio rural é simplesmente um lugar de produzir commodities, ou é também um lugar de vida, de proteção da biodiversidade e da preservação de um patrimônio natural e cultural que o mercado é incapaz de remunerar mas que é de interesse social ? Estou igualmente trabalhando na Rede IPEA, num projeto sobre migrações, cujo ponto de partida é uma tentativa de tentar novas definições para o nosso meio rural. Junto com a EPAGRI de Santa Catarina, estamos tentando dar prosseguimento ao estudo sobre juventude e agricultura familiar cuja primeira etapa foi publicada em livro, ano passado. Na USP estou no Departamento de Economia (onde trabalho basicamente com sociologia econômica) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM) onde respondo atualmente pela disciplina Teoria e Prática da Pesquisa Científica Interdisciplinar.

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