Publicado no site Planeta Sustentável em 17/07/2012. Disponível em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/estante/muito-alem-economia-verde-ricardo-abramovay-roberto-smeraldi-693237.shtml
Escolham um objetivo prioritário: crescer ou inovar. Se eu tiver de resumir em uma frase o recado do livro Muito Além da Economia Verde, de Ricardo Abramovay, seria esta. Com uma importante ressalva: o autor em nenhum momento alega que não seja possível, em determinados casos, que as duas coisas acabem acontecendo ao mesmo tempo.
Mas o que importa é que, para o autor, crescer não é solução, assim como não é problema. Problema é quando o crescimento vira objetivo absoluto, norteia as políticas públicas e, por meio delas, condiciona os investimentos privados. Aí ele rema contra aquela inovação que é necessária como água para garantir mais qualidade de vida na atual conjuntura, em que a presença humana no planeta está prestes a atingir seu pico quantitativo e logo iniciar um longo e incerto período de decrescimento.
Por interesse ou obrigação, acredito que li a grande maioria dos livros produzidos no mundo sobre os desafios da sustentabilidade. Aproximadamente três em cada quatro tratam basicamente, sob diferentes prismas, de bom-mocismo, seja de inspiração e roupagem conservadora ou progressista. O restante trata de alguma forma de inovação disruptiva, aquela que aposenta o que se tornou obsoleto. Dentro deste último quarto, o livro de Abramovay se enquadra no pequeno subgrupo daqueles que não temem ser tachados de politicamente incorretos ao assumir que podemos e devemos usar os mercados e a busca da competitividade como alavancas para a transformação. Para Abramovay, endeusar ou demonizar o capitalismo dá na mesma: e esta mesma significa incapacidade de usá-lo em prol dos interesses da humanidade.
Sim, Muito Além da Economia Verde é um livro deliciosamente e assumidamente humanista. Mostra – direta ou indiretamente – quanto pouco úteis sejam aquelas abordagens que têm no centro algum Leviatã, seja o mito do Crescimento, da Natureza ou qualquer outro. O raciocínio de Abramovay está ao serviço do bem-estar humano, algo que segundo ele mora longe da abundância, com a qual muitos o identificam e confundem. O desafio do fazer menos não tem, no livro, simplistas conotações espartanas, ou sequer franciscanas. Ele está vinculado ao desenvolvimento e valorização de sabedorias sofisticadas, ao interesse pela essência, a uma administração quase artesanal dos territórios, ao desenvolvimento de relações de colaboração e sinergia que valorizam o capital social e representam a nova fronteira da eficiência.
A novíssima economia do autor – assim como sua interpretação da economia verde – não é a de uma técnica para reaquecer, ou melhor requentar o imponente casino online suflê do crescimento, constatando assim que a volta ao forno não fará ele voltar a crescer. Trata-se mais de uma nouvelle cuisine que substitui quantidade por esmero e equilíbrio, como num prato de Bocuse.Não é por acaso que os principais exemplos utilizados no livro para demonstrar por que a obsessão pelo crescimento emperra a inovação são aqueles da pandemia da obesidade e do engarrafamento paralisante.
O crescer por crescer se torna idolatria, que impede de afirmar as novas tecnologias e cultura.Talvez a única decepção do livro seja aquela de acabar logo depois de começar a desenhar, no último capítulo, um ambicioso e desafiador cenário de malhas colaborativas. É a base sugestiva de uma nova economia que Abramovay vislumbra, a meu ver, como atributo do terceiro milênio, e não apenas do século XXI. É um pouco como aquela interrupção de um seriado, que o deixa ansioso de assistir ao próximo capítulo.O que significa que devemos esperar logo um seguimento, que entre no vivo do como construir a economia do fazer menos.
Finalmente, não podemos falar deste livro sem fazer um registro sobre o que representa sua publicação para o mercado editorial: o primeiro lançamento de uma nova, novíssima linha de uma editora nada nova. Com o selo Planeta Sustentável, a Abril rompe com uma tradição pela qual os livros sobre sustentabilidade estavam basicamente vinculados a um meio peri-acadêmico, e parece apontar para uma ambição maior de penetração no público. Seja como for, é uma sinalização e provocação alvissareira, para leitores e autores.
*Roberto Smeraldi, jornalista, é diretor da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e autor, entre outros, de O Novo Manual de Negócios Sustentáveis, indicado na Estante do Planeta Sustentável.