O comportamento energético da indústria

Indústria paulista deve manter liderança em inovação com baixa emissão de carbono e ser eficiente no uso da energia

Artigo de Ricardo Abramovay e Danilo Igliori publicado no jornal Valor Econômicom0,2/06/2010 , p 12.

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Indústria paulista deve manter liderança em inovação com baixa emissão de carbono e ser eficiente no uso da energia

O processo de descarbonização das economias que mais crescem atualmente ocorre basicamente em dois planos. Em primeiro lugar, é impressionante o avanço da energia solar, eólica e geotérmica. Em poucos anos, no berço da indústria petrolífera, a energia eólica vai preencher as necessidades domésticas de consumo de todo o Texas, como mostra Lester Brown no recém publicado Plan B 4.0. Na China e na União Europeia as transformações são igualmente extraordinárias. O Brasil, neste sentido, tem um trunfo decisivo: 46% de sua oferta interna de energia vêm de fontes renováveis. A média mundial é de 12,9% e a dos países da OECD não chega a 7%. Em São Paulo, o horizonte, para 2020, é que 57% da energia consumida tenham origem não fóssil. Este desempenho explica-se pelo etanol, uso da energia hidrelétrica e, mais recentemente, mesmo que ainda de forma tímida, pelo início das contratações públicas sustentáveis, que sinalizam aos fornecedores privados um padrão que tende a se tornar cada vez mais exigente em termos socioambientais.

Mas há um segundo aspecto do processo de descarbonização no qual a posição brasileira – e particularmente de São Paulo – é preocupante. Diz respeito ao uso da energia, independentemente de sua fonte. Na fronteira do avanço tecnológico industrial contemporâneo estão tecnologias e práticas que permitem reduzir de forma crescente a intensidade energética da produçãoindustrial, dos transportes e do próprio consumo doméstico. Produzir e consumir não apenas emitindo menos carbono, mas usando menos energia e menos materiais, esta é a dimensão mais relevante das invenções e das descobertas industriais recentes. Chama a atenção, neste sentido, um contraste flagrante entre a tendência, certamente positiva, de diminuição nas emissões de gases de efeito estufa por unidade de produto gerado pela economia paulista e, ao mesmo tempo, um aumento preocupante no uso total de energia. Cai a intensidade de carbono, mas aumenta a intensidade energética da indústria.

De forma agregada, a economia paulista apresenta uma redução notável da emissão total de CO2 por queima de combustível, por habitante e por unidade de PIB. O Balanço Energético do Estado de São Paulo de 2008 mostra que as emissões de CO2 per capita em São Paulo caem de quase 2 para 1,65 toneladas entre 1997 e 2007. Também as emissões por unidade de PIB declinam de 0,11 t para 0,08 t entre 1999 e 2007. Este desempenho está fortemente relacionado com o aumento no consumo de etanol tanto pelos veículos como pela participação do álcool e das hidrelétricas na oferta de energia para a rede, o que é muito positivo.

No entanto, quando se observa a intensidade energética do PIB paulista, ou seja, quanta energia (independentemente de sua fonte ser fóssil ou renovável) se consome para cada unidade produzida, o que se vê é um aumento considerável. O Balanço Energético de São Paulo mostra queda na intensidade energética do setor primário (o que indica menor uso de energia, na agricultura e na mineração), permanece estável a do setor terciário, mas aumenta de forma muito significativa a da indústria. Entre 1994 e 2006, há um aumento de 26% no consumo de energia por unidade de produto industrial em São Paulo.

Ao se abrir a composição desta intensidade energética constata-se uma queda importante no uso de energia fóssil. Porém, quase dobra a intensidade energética no uso de biomassa e aumenta o uso da eletricidade. Por um lado, há um processo virtuoso, que corresponde ao uso da biomassa (do etanol) por parte das próprias usinas de cana-de-açúcar e ao fornecimento de energia para a rede elétrica, que se soma ao emprego de fontes vindas da hidreletricidade. No entanto, o padrão geral de uso de energia não se altera de forma significativa.

O risco é que São Paulo esteja na vanguarda do primeiro aspecto da descarbonização (limpeza na matriz energética), mas na retaguarda da segunda dimensão, que se refere aos padrões de produção e de consumo. A indústria parece estar em descompasso com os parâmetros globais que regem a inovação contemporânea e onde a redução na intensidade energética e no uso de materiais é decisiva.

Estas indicações são importantes, pois sugerem que o esforço brasileiro de redução dos gases de efeito estufa não pode voltar-se apenas aos segmentos ligados às mudanças no uso do solo e das florestas, responsáveis, conforme os dados preliminares divulgados pelo Ministério Ciência e Tecnologia, ao final do ano passado, pelo essencial das emissões brasileiras. A intensidade energética da indústria, dos transportes e dos domicílios também deve ser colocada em pauta. Para isso não basta ter uma fonte de energia limpa, embora isso seja uma conquista decisiva: é fundamental descarbonizar, mas também reduzir a intensidade no uso de materiais e energia de toda a economia, dos domicílios aos escritórios, dos transportes às fábricas e fazendas.

Este é um dos temas discutidos no recém-lançado Relatório de Qualidade Ambiental do Estado de São Paulo (http://www.ambiente.sp.gov.br/verNoticia.php?id=894). Desde 2003, o Estado divulga informações ambientais de forma organizada. Agora, além da atualização do banco de dados (totalmente aberto em tabelas Excel), o RQA 2010 apresenta um conjunto de textos analíticos sobre cinco temas: mudanças climáticas, usos do solo, agricultura e energia, instituições e políticas públicas. As principais informações socioambientais são expostas para cada uma das unidades de gerenciamento de recursos hídricos de São Paulo.

É com base no esforço conjunto do Governo, da pesquisa e do setor privado que será possível compreender as razões da tão alta intensidade energética da indústria e sobretudo, propor as mudanças necessárias para que a liderança econômica de São Paulo se exprima, principalmente, em sua capacidade de inovação para propiciar modos de vida e de uso de recursos não somente com baixa emissão de carbono, mas também cada vez mais eficientes no uso da energia.

Ricardo Abramovay é professor titular do Instituto de Relações Internacionais da USP, pesquisador do CNPq e da Fapesp e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental

Danilo C. Igliori é professor do departamento de Economia da USP e professor afiliado da Universidade de Cambridge.

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