Alternativas para a redução da pobreza

O maior mérito deste livro é mostrar que a vida financeira e a sobrevivência das famílias de baixa renda dependem dos vínculos de cooperação e de solidariedade entre as pessoas. Para aprofundar a questão, Rumos entrevistou o seu organizador: Ricardo Abramovay*

O maior mérito deste livro é mostrar que a vida financeira e a sobrevivência das famílias de baixa renda dependem dos vínculos de cooperação e de solidariedade entre as pessoas. Para aprofundar a questão, Rumos entrevistou o seu organizador: Ricardo Abramovay*

Publicado na Revista Rumos, da ABDE (Associação Brasileira de Instituições Financeiras e Desenvolvimento) sobre o livro “Laços Financeiros na Luta Contra a Pobreza”. 2004.

O que está na essência deste livro?

Este livro nasceu de uma demanda da Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores (ADS/CUT) e do Sebrae, que estão animando a implantação de um sistema nacional de cooperativas de crédito. O objetivo é montar um sistema que atinja aqueles não contemplados pelo setor bancário. Realizamos, então, um trabalho de campo em três regiões do Nordeste, e em Chapecó (SC), um município urbano do Sul, em busca da resposta à pergunta: Quais são as demandas por serviços financeiros de populações vivendo em situação próximo da linha de pobreza? Falar em vida financeira dos pobres parece brincadeira de mal gosto. No entanto, descobrimos densa e importante vida financeira nas famílias pobres, de que já suspeitávamos, à luz da literatura internacional sobre o tema. Famílias vivendo em situação de pobreza necessitam de crédito, pois trabalham hoje para pagar o que comeram na semana anterior. Para descobrir e entender o que as famílias pobres fazem com o seu dinheiro, realizamos grupos focais, uma técnica de pesquisa muito utilizada em eleições e também em entrevistas individuais. Considero este livro um trabalho de certa forma etnográfico.

Que desafios o Brasil está encarando nesse domínio?

O principal desafio é que a constatação dessa rica e imensa vida financeira não deve ser simplesmente motivo de júbilo. Embora ela exista, o fato de as pessoas usarem serviços financeiros informais compromete muito a sua capacidade de fazer poupança e de gerar renda. Além disso, os juros são caros e, em geral, os empréstimos contraídos têm prazos muito curtos, freqüentemente são personalizados e dão margem a formas clientelistas de dominação. Isso é muito comum no meio rural. A presença de instituições financeiras formais que possam prestar serviços a populações pobres é passo muito importante na luta contra a pobreza. O governo FHC começou a desenhar políticas nesse sentido. O governo Lula já está implantando, de forma muito interessante e inovadora, políticas nessa direção.

Mas algumas políticas de combate à pobreza encontram dificuldades…

Sim, mas eu não estou falando dessas políticas. Hoje, no Brasil, curiosamente, o lugar em que se fazem as políticas sociais mais interessantes e eficientes é no Ministério da Fazenda. Refiro-me à bancarização da população de baixa renda. Nos últimos 18 meses, foram abertas no Banco Popular do Brasil, na Caixa Econômica Federal e Banco do Nordeste, 3,8 milhões de contas bancárias para pessoas que não têm como comprovar renda ou endereço. No passado, para abrir uma conta era preciso apresentar o olerite ou uma declaração do contador. Hoje, não é necessário sequer comprovar endereço. Ou seja, uma pessoa que mora numa favela, onde não chega correspondência, já pode guardar o seu dinheiro no banco. Isso é cidadania. Além desse aspecto, uma política de microcrédito pessoal está sendo implementada. O governo instituiu que 2% da exigibilidade bancária vá para microcrédito, e os bancos estão realizando os empréstimos mediante desconto em folhas de pagamento. Esse crédito ainda não abrange muito a população pobre, mas é uma quantidade significativa de recursos. São quase três milhões de contratos de crédito de baixo montante – valores até mil reais –, com forte participação do Bradesco, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal.

O livro aponta caminhos de combate ao populismo?

Não! Não me parece que o fenômeno que estamos vivendo, hoje, no Brasil, possa ser caracterizado como populismo, embora haja movimentos sociais que têm uma conotação que lembra o populismo. O Brasil está conseguindo construir um conjunto sólido de instituições, organizações e indivíduos no setor financeiro, desde os bancos até o microcrédito. No caso do microcrédito, a sua grande virtude é que se trada de uma política orientada para certos grupos sociais, mas incentivando comportamentos construtivos por parte de indivíduos. Não é algo que se dá para uma massa de gente, esperando que ela se comporte de uma determinada maneira.Os contratos de microcrédito são individualizados, e o não cumprimento implica sanções. A política social brasileira não tem esse for-mato. Obedece a uma lógica generosa, mas perversa, calcada na idéia de dívida social. Quando se é credor de uma dívida, a única obrigação é cobrar do devedor; e a obrigação do devedor é pagar o credor. Sob esse formato, o que se produz é uma situação permanente de dependência com relação ao Estado, o que não estimula a capacidade dos indivíduos de melhorarem suas condições de vida. Estes esperam que isso venha de algum lugar, como o Estado, que precisa estar presente, mas orientando, normatizando e organizando o funding. O microcrédito não é uma política genérica, mas dirigida a certos grupos sociais, incentivando os indivíduos e estimulando o sentido de responsabilidade. É uma das principais formas de combate à pobreza, porque ataca a desigualdade no acesso a um ativo essencial na vida dos indivíduos que são os serviços financeiros.

* Professor Titular. Chefe do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). Orientador do Programa de Ciência Ambiental (Procam), da Universidade de São Paulo (USP).

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