A inovação pelos pares veio para ficar

02.04.2015

A inovação pelos pares veio para ficar

POR RICARDO ABRAMOVAY* # EM 94

Ganham força os processos descentralizados, conduzidos por razões não necessariamente econômicas e com base em governança distante da que rege empresas e governos

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As empresas e os governos são cada vez menos as principais fontes da inovação tecnológica contemporânea. Essa constatação é feita por uma das maiores autoridades na pesquisa do tema, Eric von Hippel, professor do MIT, num paperem coautoria com seu colega de Harvard, Carliss Baldwin. Por maior que seja a importância dos investimentos das empresas e dos governos, esses dois protagonistas não dominam mais sozinhos a cena. A inovação pelos pares, descentralizada, levada adiante por razões não necessariamente econômicas e com base em mecanismos de governança distantes dos que regem as empresas e os governos, ganha força crescente.

Trata-se de uma conclusão contraintuitiva. À primeira vista, quem inova são produtores cujo trabalho científico e tecnológico tem que ser protegido rigorosamente por patentes, na ausência das quais seus lucros (e portanto sua motivação para inovar) estariam irremediavelmente comprometidos. Aí reside, por exemplo, a essência da noção schumpeteriana de empresário inovador.

Mas, segundo Baldwin e Von Hippel, novas tecnologias (que reduzem os custos de comunicação e que permitem design digitalizado e modularizado juntamente com acesso barato a computadores operando em rede) competem vantajosamente com a figura individualizada do produtor inovador em muitos setores da economia. Para Baldwin e Von Hippel, o que está em jogo é o paradigma com base no qual o progresso científico e tecnológico vem sendo pensado desde meados do século XIX.

E, para quem ainda acha que direitos de propriedade bem estabelecidos são a quintessência da inovação, é importante ler o artigo de Michele Boldrin e David Levine, na prestigiosa Journal of Economic Perspectives, em que se mostram evidências empíricas de que “sistemas fortes de patentes retardam a inovação e têm muitos efeitos colaterais negativos”.

Claro que o papel dos investimentos privados e públicos na pesquisa é e será decisivo. Mas a inovação pelos pares veio para ficar. Na verdade, tais formas descentralizadas de inovação sempre existiram e os usuários das ferramentas, das máquinas, das sementes e dos tratores souberam com frequência adaptar e aprimorar seu uso. Mas, só agora, na era digital, é que essas inovações tornam-se verdadeiramente abertas, o que influi na própria estratégia das empresas. A decisão da Tesla [1] de abrir suas patentes em armazenagem de energia, por exemplo, reflete o princípio de que as chances de alcançar melhor desempenho na área aumentam com a ampliação descentralizada da pesquisa. Por mais que a Tesla tenha interesse no assunto por causa de seus carros elétricos, o avanço tecnológico em armazenagem será um dos elementos decisivos para ampliar o uso de energia solar e eólica em todo o mundo.

[1] Leia comunicado da empresa

Projetos de inovação aberta e colaborativa, segundo Baldwin e Von Hippel, envolvem pessoas que partilham o trabalho de gerar um design e também de revelar os produtos de seu esforço individual e coletivo a quem quer que seja. É claro que existem regras e mecanismos jurídicos para esse compartilhamento. Nesse sentido, é fértil a aproximação entre os trabalhos de Elinor Ostrom sobre a gestão de recursos naturais de uso comum (que lhe valeu, há cinco anos, o Prêmio Nobel de Economia) e a pesquisa em torno do conhecimento como patrimônio comum da espécie humana e não como objeto de apropriação privada e patenteada.

É sobre a base dessa aproximação que foram reunidos em livro recente [2] vários estudos de caso sobre a produção compartilhada de conhecimentos em áreas que vão do projeto genoma às doenças raras, passando pela astronomia, a aeronáutica e a própria informação jornalística. Um dos trabalhos mais interessantes do livro estuda uma plataforma de “inteligência coletiva em ciência cidadã” (zooniverse.org), que possuía 30 projetos em janeiro de 2014 e mobilizava 250 mil usuários, dos quais 40% participavam tanto na classificação de dados empíricos como em sua discussão.

[2] Mais aqui

A geração compartilhada de conhecimento nas sociedades contemporâneas não se limita aos exemplos conhecidos dos softwares livres e da Wikipédia. Para que o Brasil possa alcançar a fronteira da inovação científica e tecnológica será necessário muito investimento privado e governamental. Mas é importante que as universidades, as agências públicas e o setor privado não ignorem esse fascinante movimento social em torno da inovação pelos pares.

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